Material divulgado pela União Missionária Brasileira
Seu evangelho nos fala de sua proximidade com Maria, mãe de Jesus. A tradição sabe que João cuidou de Maria até a sua morte, que não sabemos ter sido em Jerusalém ou em Éfeso; a tradição não o deixou claro. Por sua proximidade com a mãe de Jesus, Orígenes (254 d.C.) viu em João a síntese personalizada de virtudes masculinas e femininas. É por essa razão que Leonardo da Vinci na sua conhecida cena da Ceia no cenáculo deu a João traços andróginos, representando tanto os homens como as mulheres.
Não é Maria de Magdala recostada em Jesus, como sugere Dan Brown no seu “Código da Vinci”. É o jovem João, representando o eterno jovem. Correu mais rápido que Pedro, quando a notícia do túmulo vazio chegou aos amedrontados discípulos, trancados no seu esconderijo. Foi o primeiro a reconhecer Jesus na sua aparição junto ao mar da Galiléia (João 21), quando cochichou ao ouvido de Pedro: ”É o Senhor!”. Sempre reconheceu primeiro, chegou primeiro, sentou mais perto, porque ele entendeu o evangelho, a “Boa Nova” como Amor. “Amar” e “conhecer” andam sempre juntos; na Bíblia, desde o início são sinônimos.
A tradição sabe do ministério final de João em Éfeso, cidade do filósofo pré-socrático Heráclito. A cidade abrigava o famoso “Templo de Ártemis” (Vênus), uma das sete Maravilhas do Mundo Antigo. O apóstolo passou ali por grande perseguição e da qual a tradição guardou inúmeras lendas que, em parte, contém alguma possível essência histórica. Após seu exílio em Roma e mais tarde na ilha de Pátmos (onde escreveu o “Apocalipse”) o velho João voltou em triunfo para Éfeso.
As palavras em 1.João 3.14 expressa bem o que o velho apóstolo sentiu, quando após longo exílio, voltou à sua Igreja: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos”. Durante sua segunda estadia em Éfeso aconteceu um incidente bem documentado. Irineu o menciona em sua “Obra contra as Heresias” (III.4) e Eusébio (de Cesaréia) a incorporou na sua “História da Igreja” (XXVIII): “O apóstolo João, certa vez entrou num banho (público) para se lavar; mas ao saber que Cerinto ali estava, saltou do lugar e correu pela porta, não suportando estar sob o mesmo teto que ele, e exortou os que estavam com ele a fazer o mesmo, dizendo: ‘Fujamos para que o banho não caia sobre nós, já que Cerinto, aquele inimigo da verdade, está lá dentro’”.
Cerinto era um importante representante da Gnose. Para ele, espírito e carne nada tinham em comum. O que importava, era o conhecimento (iluminação) espiritual. Para Cerinto, Jesus não era o Deus encarnado. Por essa razão é que o apóstolo, na sua segunda carta, verso 10, diz: “Se alguém vem ter convosco e não traz essa doutrina (Obs: que Jesus veio em carne), não o recebais em casa, nem lhe deis as boas vindas”.
O velho João era implacável, quando se tratava da revelação do mistério da encarnação. No verso 7 da mesma carta ele diz: ”Porque muitos enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo”. A Igreja primitiva ainda sabia que não era mesquinharia opor-se a qualquer movimento de sincretismo; era e é uma questão de sobrevivência. Seria muito bom se a Igreja de hoje o soubesse também!
Anos após a morte do apóstolo apareceram os assim chamados “Atos de João”, onde relatos com possíveis cernes de verdade se misturam com absurdas fantasias gnósticas. Nelas encontramos vários contos acerca do velho discípulo, dos quais alguns fazem parte da tradição.
Essa nos conta que o apóstolo, quando já idoso, resolveu dar forma à maior obra hagiográfica de todos os tempos: seu evangelho. Naquela época, Marcos já havia morrido, Mateus e Lucas também; somente João, a última testemunha ocular do ministério de Jesus, estava vivo. Durante seus longos anos de vida João havia meditado sobre o que significava tudo aquilo que ele teve oportunidade de viver e testemunhar. Agora, no fim de sua vida, a história havia se tornado transparente para o velho discípulo. Escreveu seu evangelho historicamente longe, mas espiritualmente muito perto do seu Senhor.
No Evangelho de João, os diálogos de Jesus muitas vezes passam a ser monólogo. João era capacitado a isso porque a “fala joanina” na realidade correspondia à maneira como Jesus falava. Vez e outra no seu evangelho não sabemos onde termina a fala de Jesus e começam os comentários de João (leia João 3.3 até 21 e diga-me até onde o apóstolo cita Jesus e a partir de onde é o João, apóstolo, falando!)
As palavras de Jesus ocupam no Evangelho o espaço principal. Nelas se revela a “mística joanina”. Nenhuma Cristologia (= Definição do Kyrios, “SENHOR”) posterior chegou a tal altura. Cristo se denomina “pão da vida” – o mistério da eucaristia; “luz do mundo” – ilumina a nossa existência; “bom pastor” – transmite segurança. Ele se diz “videira verdadeira”, sendo seus seguidores as uvas; “a porta” que leva à vida eterna. “Eu sou o caminho” – com Ele não há portas fechadas como no “Castelo de Kafka”. Ele promete “outro consolador”- que ficará conosco “para sempre”.
Em todas essas orações Jesus usou símbolos que compreendem a realidade. Sua mensagem real percebemos muitas vezes nas entrelinhas; podemos compará-la ao “ruído do mar” que aparentemente escutamos quando colocamos uma concha ao nosso ouvido: um ruído infinito e eterno. “Nunca homem algum falou assim” (João 7.46).
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