Material divulgado pela União Missionária Brasileira
Eusébio († 340 d.C.) refletiu muito sobre o “por quê” João escreveu um quarto evangelho, uma vez que já havia três outros, reconhecidos, em circulação. Os três evangelhos: Mateus, Marcos e Lucas são chamados “sinóticos” porque semelhantemente tratam da anunciação do Reino vindouro. Os três trabalham a história, cada um a seu modo.
O evangelho de João é diferente. Há somente quatro eventos nele registrados em comum com os evangelhos sinóticos; no mais, o evangelho joanino apresenta uma nova dimensão, desconhecida até então. Não que ela seja menos exata, pelo contrário, suas indicações geográficas são mais precisas, o que aponta para uma testemunha ocular.
Os Pais da Igreja procuravam entender em quê João era diferente dos demais evangelistas. Eusébio pensou que João, sendo solicitado por muitos, resolveu anotar tudo o que os outros três evangelistas deixaram de registrar. Lutero, meditando sobre a notável diferença, chegou à conclusão que os sinóticos principalmente se ocupavam com os feitos de Jesus, enquanto João enfatizava suas palavras em detrimento das obras. Os dois eruditos notaram diferenças reais, mas não chegaram ao principal. O evangelho de João é a própria interpretação (exegese) dos sinóticos; é a visão da Salvação contida na história, escrita em uma época de desenfreada especulação gnóstica, prestes a engolir a genuína mensagem dos evangelistas, testemunhas de Jesus.
No seu evangelho, João não se contenta com a realidade pragmática, com acontecimentos notáveis; ele eleva tudo à esfera superior. Nos diálogos, Jesus sempre responde num nível acima daquele do seu interlocutor. Jesus sempre conduz a conversa. Tudo na obra joanina gira em torno da grande questão: “Quem és tu?” (João 8.25). “Até quando nos deixarás a mente em suspenso? Se tu és o Cristo, dize-o francamente!” (10.24).
A epifanía do Cristo é o grande tema do evangelho, em torno do qual o evangelista serena e magistralmente desenvolve a história da Salvação. Ele só conhece um único alvo: a glorificação de Cristo, cujo advento iluminou a história e cuja hora havia chegado. João não faz distinçaõ entre um “Jesus humano” e um “Cristo Divino”; os dois nele são um. Jesus Nazareno é para João também o Senhor glorificado. Seu santo evangelho quer tornar visível o Deus invisível na pessoa de Cristo Jesus; esse é o conteúdo do evangelho de João. História e Mistério se unem e a solução do mistério é o “Sou eu” (6.20).
O evangelho de João não é uma obra filosófica a ser compreendida racionalmente. Suas palavras são imagens, não termos racionais. Ao contrário da dialética que o apóstolo Paulo desenvolve nos seus escritos, temos em João a meditação, a visão interior, que são o que mais corresponde, presumivelmente, ao espírito de Jesus. O que no pensamento racional é distinto, João pensa unido. Presente e futuro, temporal e eterno estão juntos. Nas palavras de João encontramos o “conhecer intuitivo” e o “conhecer discursivo” unidos.
A “mística joanina” é um mistério (João 17.23): “Eu neles e Tu em mim”. Bonaventura nos deu o seguinte conselho: “se você quer saber como isso acontece, pergunte à Graça, não à ciência; à saudade, não à razão; ao gemido da oração e não à leitura investigativa; ao noivo e não ao professor; a Deus, não ao homem; à escuridão e não à clareza; não à luz mas sim aquele fogo que se inflama pela unção mística e o amor que, queimando, transforma-se em Deus. Esse fogo é Deus e seu foco é Jerusalém” (Livro do peregrino). ¹ Bonaventura Somma, compositor italiano, 1893-1960)
O grande Orígenes chamou o evangelho de João de “evangelho pneumático”. Santo Agostinho pregava sobre este evangelho. Lutero, o Reformador alemão, o considerou “o evangelho verdadeiro, infinitamente preferível aos demais”. Zwinglio, o reformador suíço, disse: “Tiram o evangelho de João e vocês eliminam o sol que ilumina o mundo”.
Quando será que aparecerá o cristão joanino, sem qualquer ambição ao poder? Se tivesse aparecido, a História da Igreja teria sido outra. A cristandade infelizmente não seguiu ao chamado do coração, não “viu” e “ouviu” com o coração, como João o fez.
Desde tempos remotos há discussão acerca da pessoa do autor. Foi João o Discípulo, ou foi “João, o Presbítero”? Irineu (125-202 d.C.) que ainda conheceu Policarpo (†166 d.C.), que, por sua vez, diz ainda ter conhecido pessoalmente o Apóstolo, afirma: “Finalmente João, discípulo do Senhor,...escreveu seu evangelho enquanto estava em Éfeso, na Ásia Menor”.
A tradição sabe de um “João Presbítero”, sucessor do apóstolo. O termo “Presbítero”, naquela época, não indicava como hoje, um cargo ou responsabilidade na hierarquia da Igreja. Ele entende o mesmo que “Ancião” ou “pertencendo à geração que ainda conheceu Jesus”. Será que este, após a morte do discípulo, editou o livro que o apóstolo deixou inacabado? Algumas teorias apontam nessa direção. Para nós não importa. Faremos força para “ver” e “ouvir” as palavras que chegaram a nós. O evangelho joanino nos leva ao coração do Senhor. Para “os de fora”, continuará mistério. Para “os de dentro” o evangelho de João é transparente (W.Nigg).
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