24 de jun. de 2011

João 1:14

ESTUDO DO LIVRO DE JOÃO
Material divulgado pela União Missionária Brasileira

"(14) E o verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai".

Um entre seis pastores da Holanda não crê mais em Deus ou nem acredita que Deus exista (Fonte: Reformierte Presse, outubro 2006). Na Igreja Católica Romana, a riqueza da liturgia, as regras eclesiásticas, e a vivência rigorosamente estruturada na hierarquia eclesiástica ainda não permitem ao religioso pensar abertamente, tão livremente; mas como indivíduo, na solidão do nosso mundo pós-cristão, nem ele está a salvo dos ataques da dúvida e da incredulidade. Onde esse “cristianismo contemporâneo” começou a se desligar de sua fonte?

O cristão só pode falar de “seu Deus” a partir do aparecimento desse “seu” Deus, até então considerado um “Deus tribal” do povo israelita. Como e onde é que esse “Deus de Israel” tornou-se Nosso Deus e “habitou entre nós?” Quem no-lo-garante como Verdadeiro? Para responder a essa questão voltaremos às palavras de João.

(14) E o verbo se fez carne e habitou entre nós, ...
Até agora, o Evangelista usou termos pouco concretos; falou do Princípio, do verbo, da luz, da vida. A partir do verso 14 ele muda. O “estava no mundo” muda para o concreto e real: “se fez carne (físico, portanto limitado e mortal) e habitou entre nós”. Com essa declaração, o apóstolo se distancia de vez da interpretação helenista (em moda, na época) em que as divindades, deuses e deusas se camuflavam por curto período de tempo como se fossem homens ou mulheres comuns para, após realizarem algum feito entre os mortais, voltarem ao seu lugar de origem, livres do peso da fingida humanidade.

Quando João diz “carne”, ele aponta para a fraqueza e para a limitação, para o sofrimento e para a realidade da morte inerente à carne. “Carne” pertence definitivamente a esse mundo. Veja quando Isaías, em 40.6, reflete a respeito da vida humana: “Toda a carne é erva, e toda a sua glória, como a flor da erva; seca-se a erva, e caem as flores, soprando nelas o hálito do Senhor...”

João afirma: O impensável aconteceu: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós. Somente porque Deus se tornou “carne”, houve história e o relatório do Evangelho (da Boa Nova) podia ser escrito por João e os demais Evangelistas. Os sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) viam mais em Jesus o cumprimento das profecias, o “enviado por Deus”. João, diferentemente deles, vê em Jesus o Deus encarnado. Deus em forma de pessoa humana? Perguntamos: Isso tem somente “valor simbólico”? É possível imaginarmos que Deus, O Eterno, apareça em pessoa humana, assumindo o peso dessa humanidade, levando-o até ao final mais trágico e pesado possível?

Tudo depende da resposta a essa questão. Onde está o “limite da possibilidade Divina” de abaixar-se até à Sua criação humana? Renomados pensadores das religiões judaica e cristã procuravam por alguma elucidação. No melhor dos casos esse esforço apenas permitiam um vislumbre das possibilidades de conhecimento da verdade.

Filo de Alexandria (30 a.C até 40 d.C.), nada ainda sabia da crença cristã da encarnação. Confrontado com a tendência do imperador Gaio Calígula para a “Apoteose” (Divinização do homem), ele sentenciou: “A transformação da natureza criada e corruptível em natureza Divina e incorruptível consiste para a nação judaica na mais horripilante blasfêmia. Antes Deus se transforme em homem que homem em Deus” (LegGai118).

Se Filo houvesse tido conhecimento da crença cristã, certamente não teria se pronunciado dessa forma. Em 160 d.C., Justino Mártir argumenta contra a tradição judaica já formada que considerava a encarnação de Deus algo absolutamente impossível (Dialogus cum Tryphone Judaeo).

Com o cristianismo em ascenção, o judaísmo (geralmente com fins polêmicos), afirmava a impossibiliade da encarnação. Em tempos posteriores, esporadicamente Apoteose (homem declarando-se Deus) permaneceu como blasfêmia absoluta (giddûf) enquanto que para um judeu uma encarnação de Deus poderia ainda ser, de alguma maneira, compreensível.

O professor de filosofia, judeu de linha ortodoxa, Michael Wyshorogod diz (resumidamente): “O judeu não pode aceitar a encarnação porque a Palavra como é ouvida no Judaísmo não lhe diz e porque a fé judaica não a confessa. Se a Igreja (cristã) a aceita, acontece não por ela ter descoberto o fato, mas sim, porque ouviu que essa fora a determinação soberana e isenta de Deus – uma decisão impossível a ser prevista pelo homem... Interessante é que sob o ângulo de vista da soberana liberdade de decisão de Deus, que as duas religiões admitem, as diferenças entre as duas religiões não desaparecem, mas entrem em certa coerência...”

“A encarnação, do ponto de vista do Antigo Testamento, não era nem anunciada nem esperada. Ela deve ser vista como o presente mais inesperado e imprevisto. Só após ter acontecido o inesperado, - post festum – podemos discutir sobre se a encarnação vai contra o Espírito da Antiga Aliança ou não. Um Deus livre e onipotente; se Ele decidir tornar-se homem, quem O pode reprimir ou contradizer?” (§ 151-154 Thoma, Clemens. Teologia cristã do judaísmo).

Nenhuma Cristologia (nem a joanina) pode ignorar o ponto principal judaico: A obra de Cristo não pode ir contra o Domínio e a Autoridade do Único Deus Pai. O apóstolo Paulo, como fariseu e bom judeu não deixou em nenhum de seus escritos a menor dúvida a respeito. Vemos isso no trecho de 1.Cor.15.20-28, quando no último cumprimento da história da redenção, acontece “a sujeição do Filho Àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos”. Leia o texto indicado! Ele o ajudará a entender melhor Jesus em relação a Deus Pai.

(14) E o verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.

“... e habitou entre nós” O original diz “tabernaculou” entre nós. Tabernacular é morar “por enquanto”, assim como o povo “tabernaculou” durante seus 40 anos de peregrinação no deserto, após ter saído do Egito. Como pode Jesus estar presente entre nós? Cada um de nós tem sua ideia a respeito. Uns imaginam Jesus como participante invisível numa reunião; outros O vêem pairando sobre a Igreja e mais outros entendem Jesus habitando “neles”, fazendo parte de seu espírito. Vejamos como a Bíblia nos mostra os estágios da presença Divina.

Na época antes do primeiro Templo em Jerusalém, Davi, após apaziguar a cidade de Jerusalém, declarou: “... O SENHOR, Deus de Israel, deu paz ao seu povo e habitará em Jerusalém para sempre” (1.Cr.23.25). Quando seu filho Salomão edificou uma casa para o SENHOR (o primeiro Templo), ele confessou na sua oração de inauguração: “...mas, de fato, habitará Deus com os homens na terra? Eis que os céus e os céus dos céus não te podem conter, quanto menos essa casa que eu edifiquei... Quando houver... ouve tu dos céus, do lugar de tua habitação e perdoa...” (2.Cr.6.18,30,33,35,39). Diz a Bíblia que “a Glória do Senhor” (shekinah) encheu o Templo e não Deus pessoalmente.

Agora João anuncia que “O Verbo” pessoalmente habitou entre os homens. Paulo, na sua carta aos Filipenses explica o que esse fato significava: “..não julgou como usurpação o ser igual a Deus, antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fil.26-8). Não havia dúvida nem em João nem em Paulo da verdadeira “encarnação” do Verbo. Por um tempo, até a sua execução por parte dos homens, o Verbo “tabernaculou” entre os homens.

Dali em diante, como ressurreto, Ele continua habitando entre nós, mas em um nível diferente. Paulo pergunta aos cristãos em Corinto: “...vocês não sabem que vocês são o santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1.Cor 3.16). Jesus havia prometido aos seus (João 14.16) o “Consolador” que viria no lugar dEle.

O final da habitação de Deus, quando o Filho tiver devolvido ao Pai tudo o que Este lhe sujeitava, como lemos pouco acima (1.Cor.15.20-28), vemos descrito no Apocalipse: “Então ouvi grande voz, vindo do trono, dizendo: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus mesmo estará com eles. Eles serão povo de Deus e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Apoc.21.3-4). Numa intensidade crescente, numa revelação cada vez maior, até chegar “à nova criação” descrita em Apoc.21, Deus se fez e fará presente entre os homens.

João Apóstolo afirma a respeito dos três anos vividos junto com seu Mestre: O Verbo habitou entre nós cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai. Nós vimos... Vimos o quê? Muitos haviam visto o Nazareno e classificado-o de “samaritano” (isto é infiel); “herege” (traidor da fé); “endemoninhado”; “louco” (João 7.20; 8.48; 8.52; 10.20) ou simplesmente “filho de carpinteiro”; um ninguém no mundo da religião.

João via algo totalmente diferente: havia visto a “Doxa” (Glória), que no Antigo Testamento significa “pesado, monumental honrado”. O Deus do Antigo Testamento era acima de tudo “pesado, grande, glorioso”. João e seus amigos viam no homem sofredor, que foi torturado e morto “a Glória” de Deus; do único Deus capaz de sofrer junto com sua criação sem alegar para si vantagens ou direitos especiais que o libertassem daquilo mesmo que Ele colocara sobre o ombro de suas criaturas. João viu no crucificado Aquele que devia ser “levantado para que todo o que nele crê, tenha a vida eterna” (João 3.14,15).

João aplica o termo “Graça” diferentemente do homem. Nós vemos na graça sinal de compaixão quando olhamos de baixo para cima. João olha de cima para baixo, ele usa a visão de Deus na Sua encarnação. No mover-se de cima para baixo, da “Doxa” para “os que estão nas trevas”, ele reconhece a “Graça” que nos alcançou. Nunca a Glória de Deus se manifestou nos reinos desse mundo, na pompa ou no poder temporal. Assim como Deus havia escolhido o mais insignificante e menor povo para Si, Ele revelou Sua Glória em “fraqueza e loucura” (1.Cor1.25).

A verdade é aquilo que é real, contra o que é irreal e engano. O salmo 89,14 canta da “Graça e Verdade” que precedem a Ele. Na tradução de Lutero o termo “verdade” é interpretado por “fidelidade”. A verdade não se altera nunca, ela é fiel.

João reconheceu na pessoa de Jesus o “Verbo, cheio de graça e de verdade”, como no “unigênito” do Pai. A palavra estranha “unigênito” é resultado de um processo de tradução da palavra “mono-genes”. O sentido mais próximo a essa expressão encontramos em: “único no seu modo de ser”.

Durante aproximadamente um ano, (se você permitir) o Evangelista lhe apresentará seu relato a respeito “... do que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da Vida...” (1.Carta de João 1.1).

Quem é Jesus para você? Você enxerga “através do horizonte”?

Nenhum comentário:

Postar um comentário