23 de jun. de 2011

João 1:1

ESTUDO DO LIVRO DE JOÃO
Material divulgado pela União Missionária Brasileira

"NO PRINCÍPIO era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus"

As Bíblias de que dispomos – todas elas sem exceção, - nos apresentam o texto do apóstolo João traduzido do grego e do latim e, mais recentemente, uma ou outra tradução tem procurado comparar esse texto, e outros mais da Palavra de Deus, com o hebraico e, no caso do Novo Testamento, com o aramaico (idioma que Jesus usava).

Ocorre, então, que por vezes, nos surpreendemos ao constatarmos que também aqui – na tradução dos textos da Palavra de Deus – se verifica verdadeira afirmação de que toda tradução, por melhor que seja, nunca é igual ou tão exata quanto seja o original. É o caso do texto de João e, mais especificamente, desse primeiro verso do seu Evangelho.

Antes de meditarmos sobre esse verso fundamental da teologia e espiritualidade cristã e da maneira tradicional como o fazemos, à luz do que acabamos de dizer acima, temos de fazer um apontamento sobre a palavra traduzida como “verbo”.

Esta palavra “verbo” origina-se do latim (Vulgata de Jerônimo) e que se transcreve “verbum”. Por sua vez, Jerônimo traduziu-a do original grego da “Septuaginta” e que é “Logos”. Então, “Logos” e “verbum” são praticamente a mesma coisa, sendo que, em português, se traduziu as duas por “verbo” que, na verdade, significa alguma coisa somente como função gramatical de uma estrutura da língua portuguesa: verbo, substantivo, adjetivo, advérbio etc... verbo, em português, no sentido de “palavra”, é uma linda reminiscência quinhentista solenemente desconhecida e ignorada pela maioria absoluta dos usuários da língua portuguesa.

Se traduzirmos, pois, o primeiro verso do Evangelho de João quer do latim, quer do grego, em linguagem inteligível de hoje, seria melhor que assim fosse: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus”. Aí já melhora bem o sentido e ele se torna mais fácil de ser compreendido (Obs. em outros idiomas (alemão e inglês p.e.) encontramos o termo “Logos” traduzido como “Palavra”).

João era judeu, escreveu em grego porque este era o idioma oficial da região em que viveu grande parte de sua vida. Ali dedicou sua obra aos seus concidadãos gregos. Sua língua materna era o aramaico e não cremos que ele, pescador “iletrado”, conhecia o hebraico, linguagem exclusivamente dos religiosos, dos escribas e fariseus, desconhecido pelo povo.

Veremos: O hebraico apareceu no tempo de Abraão e não se sabe se Abraão já o encontrou em Canaã e o assimilou, ou se é resultado de uma fusão do dialeto aramaico de Abraão com o idioma dos habitantes da terra. Certo é, que o hebraico já era um idioma quando a família de Jacó migrou para o Egito - confira Gen.31.47, onde Labão denomina o monumento erguido como “Jegar- Saaduta” (aramaico), mas Jacó o chamou em hebraico como “Galeede”.

No tempo do Antigo Testamento, o hebraico era usado largamente e a grande maioria dos livros do A.T. foram escritos em hebraico. A partir do Exílio Babilônico, o hebraico, no entanto, sofreu cada vez mais a influência do aramaico. Até ser conquistado pelos árabes, o aramaico tornou-se o idioma oficial da Ásia Menor. Partes do livro de Daniel e de Esdras já foram escritas em aramaico. O hebraico saiu do uso e ficou somente como idioma no culto a JAHVÉ e como língua dos eruditos (assim como o latim hoje na Igreja Católica).

No tempo de Jesus e dos apóstolos, o aramaico era o idioma comum. Em todas as referências no Novo Testamento, onde se diz “em hebraico” (confira Lucas 23.38/João 5.2/19.13,17,20/ Atos 21.40/22.2/26.14 e Apoc.9.11 e 16.16), trata-se do aramaico. Onde lemos “os hebreus” (Atos 6.1) refere-se aos cristãos-judeus de língua aramaica em contraposição aos cristãos de língua grega.

Paralelamente ao desaparecimento do hebraico instalou-se como conseqüência da movimentação política/militar dos séculos antes e depois de Cristo o grego como idioma dos cultos (alfabetizados). A maioria dos livros do Novo Testamento foi escrita em grego, assim também o nosso Evangelho de João (os manuscritos mais antigos o confirmam).

João escreveu num grego muito simples, mas claro. Excluindo o Prólogo, que é de uma riqueza gramatical superior, o Evangelista usa não mais que 700 palavras diferentes, o que corresponde a um vocabulário de uma criança grande. Nessa simplicidade gramatical, sem o uso de termos teológicos, o apóstolo nos abre riquezas sobre riquezas.

A partir de 500 d.C., houve um certo renascimento do hebraico sob os masoréticos, que introduziam os pontos que permitiam ler o antigo hebraico (que não continha vocais). Somente a partir da virada do século dezenove para vinte (1880-1920), o hebraico reapareceu e, com muito trabalho, foi restaurado e declarado idioma oficial no Estado de Israel após sua fundação em 1948.

Sem contradizer a versão (tradução) corrente (Logos, Verbo), comum nas nossas traduções para o português há tantos séculos, e que é também muito bonita, ficamos espantosamente admirados se procurarmos entender o que esse primeiro verso do Evangelho de João nos diria em hebraico, provavelmente no idioma litúrgico dos sacerdotes do tempo de Jesus.


Em hebraico, o termo utilizado onde no grego lemos “Logos” é “dawar” que quer dizer: “aquilo que é perfeito” ou “a coisa perfeita” ou “a perfeição”.

De repente percebemos que, muito além do que já significa a belíssima tradução – definição (“No princípio era a Palavra, e a Palavra estava em Deus, e a Palavra era Deus”), abre-se-nos aos olhos e ao espírito uma maravilhosa e mais completa definição do mesmo verso de João, se o traduzimos como “dawar” do hebraico e cuja tradução, portanto, seria assim: “no Princípio era “a perfeição”, e a “perfeição” estava em Deus, e a “perfeição” era Deus”.

Percebemos, deste modo, que a definição–compreensão de Deus, do Absoluto, transcende em muito ao já brilhante sentido de “verbo-palavra”, posto que no hebraico dá-se um atributo a Deus (“a Perfeição” ou “Aquilo que é perfeito”) que, em verdade, resume de maneira cabal, profunda, praticamente esgotando qualquer possibilidade de acréscimo, o que venha a ser Deus: “A Perfeição”!

No princípio, então, existia O que era e é perfeito; não se tem mais o que falar; nem melhor elogio do que se dizer de alguém ou de algo: “ele é perfeito”; “isto é perfeito”! A perfeição absoluta existia, pois, desde o princípio e, conseqüentemente, a perfeição era Deus e estava nEle, como um atributo irremovível, eterno; continuam nEle e estão nEle por toda a eternidade porque Ele é Deus.

Nós que professamos esse Deus e vivemos em temor e tremor a Ele que é a Perfeição, e que sabemos e cremos que Seu Filho bem-amado, Jesus Cristo, nos capacita vivermos em amor e obediência ao Pai (a Deus, portanto), temos a honrosa, mas também a inquietante responsabilidade de imitarmos ao Deus Perfeito, ao Deus que detinha a “perfeição”, ao Deus que detêm por todo o sempre a “Perfeição”. Perfeição exclui qualquer vislumbre de defeito, de imperfeição, de impureza, obrigando-nos dessa forma, em consonância com o que é Deus (e tão bem exposto por João) e às ordenanças do Senhor Jesus, a sermos perfeitos “como o nosso Pai Celeste é perfeito”(Mateus 5.48).

Colocada essa explanação inicial ao Evangelho de João e que tem a intenção de apresentar ou de abrir uma mais ampla visão do texto joanino, passemos agora a expor o mesmo texto do modo habitual procurando, no entanto, aprofundá-lo e mostrar algumas nuances importantes dele.


Glossário: Pág. 01): Reminiscência: que se guardou do passado; algo de muito tempo.
Inteligível: que se entende facilmente. Claro.

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