23 de jun. de 2011

João 1:1 Continuação

ESTUDO DO LIVRO DE JOÃO
Material divulgado pela União Missionária Brasileira

"NO PRINCÍPIO era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus"

Watchman Nee († 1962), martirizado pelo regime comunista chinês através de trabalho forçado e por causa de sua fé, fez uma valiosa observação com a qual iniciamos o nosso estudo do Evangelho de João:

“Uma sã doutrina pode envaidecer-nos, tornando-nos orgulhosos de nosso conhecimento ou de nossas opiniões. Ou podemos esquecer a verdade, afastando-a de nós por meio de argumentos elaborados ou métodos de terceira categoria. Contudo, a visão é algo revolucionário. Comparadas a ela, todas as outras coisas tornam-se pequenas. Uma vez que tenhamos visto o Senhor, nunca mais iremos esquecê-lo! Diante dos crescentes ataques de Satanás e dos falhos conselhos de amigos, é somente o conhecimento interior de Deus que nos manterá firmes em tempos de provação.
Por um ou dois anos após minha conversão, tive medo de encontrar um modernista ou um ateu que provasse para mim que a Bíblia não era perfeita nem confiável. Pensava que, se isso ocorresse, tudo estaria acabado. Minha fé não teria sentido, e eu queria crer. Mas agora tudo é paz. Se todos eles aparecessem e apresentassem o maior número de argumentos contra a Bíblia, como os projéteis que existem nos arsenais do mundo, minha resposta seria uma só: ‘Você tem muita razão naquilo que diz – mas conheço meu Deus. Isto me basta.’ ”
(W.Nee. Uma Mesa no Deserto. Editora dos Clássicos, 2002)


"No Princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus"

O evangelista começa retratando CRISTO NA ETERNIDADE, antes que o mundo existisse. Podemos dizer: ele olha para a eternidade passada e ali ele já vê o “Logos de Deus” habitando na presença de Deus, sendo Ele mesmo Deus.

“No Princípio, o ‘verbo’ (em grego: ‘Logos’) estava com Deus...” Compare agora a primeira palavra da Bíblia, no Antigo Testamento: “No Princípio, Deus criou...” (Gen. 1.1). Quando os céus e a terra foram criados, o Logos “já estava com Deus e o Verbo era Deus”. Numa clara referência a Gênesis, o “Logos” já existia, e esta é uma maneira de afirmar a eternidade do “Logos” e que só Deus possui.

Quem é esse “verbo”, o “logos” que sempre existia e que “estava com Deus e era Deus” ? (Gen. 1.1). O que o termo, com o qual João abre seu Evangelho, significa?

Conforme a tradição, o Evangelho de João foi composto em Éfeso enquanto a nova igreja cristã vivia um período de intenso confronto com heresias gnósticas. A fé dos crentes estava sendo minada pelos erros de novas teorias “espiritualistas” (gnósticas) a respeito da pessoa de Cristo.

Cerinto, por exemplo, que viveu nos dias do apóstolo e um dos adversários mais ferozes de João, gozou de grande influência e ensinava que Jesus era meramente um ser humano, filho gerado naturalmente por Maria e José; que não era mais justo ou sábio do que qualquer outra pessoa; que no batismo, “O Cristo”, na forma de uma pomba, havia descido sobre ele, mas o havia deixado novamente antes de seu sofrimento, de tal maneira que não foi “O Cristo” quem sofreu e foi martirizado e ressuscitou, mas sim, o homem Jesus Nazareno.

A “gnose” que existe sob muitas formas até hoje valoriza “o conhecimento encoberto”, digamos, “o aspecto espiritual” desse “Cristo”, desconsiderando o lado material, humano. Com esse ensino, a gnose está em rota de colisão com o Judaismo (e posteriormente com o cristianismo) nos quais o homem é uma unidade inseparável.

Por essa razão, João põe tanta ênfase no fato de Jesus Nazareno ser o Cristo Eterno, o Filho de Deus, e que este “Cristo” não apenas desceu meramente sobre Jesus Nazareno (sem ter entrado em uma união real e profunda com Ele) mas que, verdadeiramente, o “Logos” assumiu a forma humana, “se encarnou” na pessoa de Jesus Nazareno que o apóstolo conheceu e que nunca renunciou sua natureza humana. Quem morreu e ressuscitou, foi “Deus” em forma humana, o “Logos encarnado”.

O termo “Logos” não é um termo semítico. Tanto João quanto os hereges gnósticos falaram do “Logos”. Embora o termo seja o mesmo, o seu sentido para os gregos era diferente do dos cristãos. Filo, o grande Filósofo Alexandrino († 40.d.C.), usou o termo “Logos” mais de 1.300 vezes em seus escritos, sem jamais ter tomado conhecimento do movimento cristão.

Nas suas alegorias sobre o Antigo Testamento ele descreve o “Logos” como um “atributo divino”, ou como “ponte entre Deus e o mundo, sem ser idêntico com nenhum dos dois lados, mas compartilhando a natureza de ambos”. Sem o saber, ele preparou com seus escritos o terreno para a Igreja cristã. Na filosofia grega como um todo, “Logos” era tido como “razão” ou “lógica”, força abstrata que trazia harmonia e ordem ao Universo.

João não procura definir o “Logos”, uma vez que cada um de seus contemporâneos podia ter uma compreensão diferente do termo, dependendo da procedência e formação de cada um. João não se detém em “cristianizar” o termo. Seus leitores podiam pensar o que conviesse a cada um: seja “sabedoria universal”, “razão universal”, “princípio” ou “poder universal”; podiam imaginar um ser ou poder ou o “sopro divino como intermediador entre Deus e o mundo”.

João era judeu. Com a primeira sentença do seu Evangelho ele deixa claro que “o Logos” não é uma invenção da filosofia grega nem dele mesmo, quando O aplica a Cristo. “Logos” é traduzido por “verbo” ou “A Palavra”. Como uma designação neotestamentária do Cristo já O vemos presente no Antigo Testamento como “descrição da pessoa, vontade e ação de Deus”.

Ali a “Palavra de Deus” é representada como uma Pessoa. “Pela Palavra de Jeová, os céus foram feitos e pelo sopro de sua boca, o exército Dele” (Salmo 33.6). Desde o Princípio, Deus agiu através “da Palavra”. “Disse Deus: haja... e houve...” (Gênesis 1.3,4,9,...). “A Palavra” expressa ou reflete a mente de Deus e O revela aos homens. Essa “Palavra”, o “Logos”, a manifestação da Vontade Divina, é assim definida como “o verbo, era no Princípio, face a face com Deus, e o verbo era Deus” (1.1). A “Palavra” que atuou na Antiga Aliança, agora é interpretada por Deus na “encarnação do verbo”.

João evita, por enquanto, a denominação “Filho de Deus”. O tempo dele e a cultura pagã na qual ele escreve conhecem muitos “filhos de deuses”, gerados por deuses (gregos). Demonstrando que “o Logos no princípio e sempre estava com Deus”, João está excluindo qualquer identificação de Jesus com um dos muitos deuses venerados na época.

Vários comentaristas citam as palavras de Provérbios cap. 8.27-30, como “o mais belo comentário” da primeira afirmação joanina, já no Antigo Testamento. Aqui o escritor, falando da “sabedoria como pessoa”, estava anunciando (sem ter consciência do fato) o “verbo”, o “Logos”:

“Quando Ele preparava os céus, aí eu estava; 
quando traçava o horizonte sobre a face do abismo;
quando firmava as nuvens de cima; ...
quando compunha os fundamentos da terra;
então, eu estava com ele e era seu arquiteto,
dia após dia eu era suas delícias,
folgando perante ele em todo o tempo”.


¹ Usamos a versão Revista e Atualizada (RA) da tradução de João Ferreira de Almeida, SBB- Bíblia de Genebra, 1999, enquanto não mencionada outra fonte.

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